Fia já minha Sofia, Fia "Enquanto eu faço esta ceia, Eia! Estás hoje com tamanha Manha, "Que não sais dessa janela; Nela "Queres ver os estudantes Antes "Do que acabar depressa Essa "Tarefa, que aí fica à banda, Anda!... "Pega já no teu serviço; Isso!... "Antes que as ventas te esbarre! Arre!..." Tal a velha muxibenta Benta Os seus ralhos redobrava Brava, Enquanto a gentil Sofia Fia. A coitada da netinha Tinha Em seu peito bem ocultos Cultos Que a ninguém revelava; Lava Que o seu peito todo inflama; Flama Que a trazia em mil apuros Puros, E abrindo sem receio Seio, Que reconhece os ardis, Diz: "Perdão minha avó materna Terna, "Se eu para meu repouso Ouso "Abrir de meu coração São "Os ocultos escaninhos, Ninhos "Em que amores eternos Ternos "Os cuidados que me aturdem Urdem." A isto a velha casmurra Urra, E com voz endiabrada Brada: "Disseste em palavras oucas Ocas, "Quanta asneira há neste imundo Mundo. "Menina, tão feias cousas Ousas, "Declarar a tua avó? Oh! "Se acaso de amor as chamas Amas, "Vai buscar noutros lugares Ares, "Que eu não ouvirei jamais Ais "De menina apaixonada Nada!" Mas Sofia lhe responde: Onde "Quereis agora que eu vá?... Ah! "Minha avó por piedade Há de "Escutar-me alguns instantes Antes "De me lançar para fora: Ora "O que a amar me levou Vou "Contar lavando esta louça; Ouça... "Vi um dia um moço lindo Indo "A passar nesta janela; Nela "Pregava um olhar inquieto Quieto; "Na guitarra um som vibrando Brando "De amor cantou-me diversos Versos. "Sua voz que tanto encanta, Canta "E diz com lindo reclamo Amo! "Em meu peito essa palavra Lavra, "E esta alma, que não sossega, Cega. "Depois nesta sua escrava Crava "Um olhar, de que morri; Ri, "E me diz - Eu serei teu Eu! "Serei tua: - lhe respondo Pondo "A mão sobre coração São. "E chegou-se muito esperto Perto, "E com toda a garridice Disse: "Tu és como a primorosa Rosa "Posta em vaso de alabastro; Astro, "Que me alumia o presente; Ente "Que eu mais prezo e mais anelo: Elo "De uma prisão suave; Ave "Que me canta mil divinos Hinos, "Anjo, que traz-me em delírio; Lírio, "Cujo seio puro estreme Treme, "Se a brisa dá-lhes sobejos Beijos. "Em torturas violentas Lentas "Antes eu numa masmorra Morra, "Do que ver quebrar os belos Elos "Do grilhão que amor prepara Para "Nossa união sempiterna Terna." A velha responde assim: "Sim! "Bem conheço esse insolente Ente, "Que insuflou-te tamanhas Manhas, "Eu acho no tal sujeito Jeito, "De quem nem um só vintém Tem. "Como homem que não se emprega Prega "Muita peta aos inocentes Entes. "Tu estás muito enganada.... Nada. "Para casar é preciso Siso.... "Olha que aquele demente Mente, "E para que te seduza Usa "Desses meios e promessas; Essas "Ele nunca as cumprirá Ah!... "Se eu o pilho à vontade Há de "Soltar a poder de murros Urros!... "Ah! tratante!... Velhacão!... Cão!..." A menina irresoluta Luta Em mil angústias mortais, Tais, Que iam quase sufocá-la! Cala, Mas enfim volta-lhe o alento Lento, E com a voz alquebrada Brada: "Minha avó, não vos zangueis: Eis, "Como o caso sucedeu: Eu "Já casei com esse inocente Ente "A quem votais tão seródio Ódio, "A ele, a quem agradei, Dei "O que mais uma donzela Zela, "Seu amor, sua fé constante Ante "Vosso vizinho compadre Padre; "Ele possui de antemão Mão "Que há muito tua netinha Tinha "Ao esposo bem-fadado Dado." Eis que a velha vocifera Fera, E de uma ferradura Dura Que o acaso ali mostrava Trava, E a menina desditosa Tosa... A netinha em gritaria Ia Pelos cantos obliquando Quando Vendo aberta uma janela Nela Procurando uma escapula Pula, E pela rua se vai! "Ai! "Tenho a cabeça quebrada Brada, "E para pedir socorro Corro." Nisto o vizinho compadre Padre, Bom pastor de vida obscura, Cura, Que com sua salvaguarda Guarda Das almas o sossegado Gado Ouvindo os descomunais Ais, Que a donzela que o acordava Dava, Da cama pula de um salto Alto, E a quem dele se socorre Corre; E diz à velha casmurra: "Hurra! "Perdão se eu sem estorvo Torvo "Pela sua casa adentro Entro, "Ó meu Deus! que de escarcéus Céus! "Que hoje o mundo vem abaixo Acho!... "Esta casa já tão tarde Arde "Entre mil endiabrados Brados!... "Comadre, quem muito berra Erra, "E quem muito se arreganha Ganha "Com tamanha matinada Nada, "Vossa netinha inocente Sente "Dentro d'alma uns arrepios Pios "Por um rapaz que a merece. Esse, "Pelos laços do himeneu Eu "Já uni à sua amante Ante "O altar do Onipotente Ente. "Um do outro sem remissão São. "E não ser isto quimera Mera "Eu mesmo, que os enlacei, Sei." Do padre a fala singela Gela As fúrias da muxibenta Benta, E a ferrenha catadura Dura Em um instante quedou-se Doce, E todo aquele seródio Ódio, Qual palha aos golpes da foice, Foi-se Enquanto a pobre netinha Tinha Nos olhos cheios de mágoa Água, Lhe diz a vovó materna Terna: "Já que, como tu pudeste, Deste "Tua mão a esse inocente Ente, "Também dentro desta casa Casa, "Que eu darei a teu esposo Pouso."
BERNARDO GUIMARÃES
(Ouro Preto, MG, 15/08/1825 – Ouro Preto, MG, 10/03/1884).
Foi um romancista e poeta brasileiro, conhecido pela autoria do romance “A Escrava Isaura”, sendo o patrono da Cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras.
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