Foi um dia de kremesse. Depois de rezá três prece Pra que os santo me ajudasse, Deus quis que nós se encontrasse Pra que nós dois se queresse, Pra que nós dois se gostasse. Inté os sinos dizia Na matriz da freguezia Que embora o tempo corresse, Que embora o tempo passasse, Que nós sempre se queresse, Que nós sempre se gostasse. Um dia, na feira, eu disse Com a voz cheia de meiguice Nos teus ouvido, bem doce: Rosinha si eu te falasse... Si eu te beijasse na face... Tu me dás-se um beijo? — Dou-se. E toda a vez que nos vemo, A um só tempo perguntemo Tu a mim, eu a vancê: Quando é que nós se casemo, Nós que tanto se queremo, Pro que esperamos pro quê? Vancê não falou comigo E eu com vancê, pro castigo, Deixei de falá também, Mas, no decorrê dos dia, Vancê mais bem me queria E eu mais te queria bem. — Cabôco, vancê não presta, Vancê tem ruga na testa, Veneno no coração. — Rosinha, vancê me xinga, Morde a surucucutinga, Mas fica o rasto no chão. E de uma vez, (bem me lembro!) Resto de safra... Dezembro... Os carro afundando o chão. Veio um home da cidade E ao curuné Zé Trindade Foi pedi a sua mão. Peguei no meu cravinote Dei quatro ou cinco pinote Burricido como o quê, Jurgando, antes não jurgasse, Que tu de mim não gostasse, Quando eu só amo a vancê. Esperei outra kremesse Que o seu vigário viesse Pra que nós dois se casasse. Mas Deus não quis que assim sesse Pro mais que nós se queresse Pro mais que nós se gostasse.

OLEGÁRIO MARIANO – Recife, 24 de março de 1889 – Rio de Janeiro, 28 de novembro de 1958. Foi poeta, político e diplomata brasileiro. Foi eleito em 23 de dezembro de 1926 para a cadeira 21 da Academia Brasileira de Letras. Era primo do poeta Manuel Bandeira ( 1886 – 1968 ). Embaixador do Brasil em Portugal entre 1953 e 1954 . Em 1938, em concurso promovido pela revista Fon-Fon, foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros, em substituição a Alberto de Oliveira, detentor do título depois da morte de Olavo Bilac, o primeiro a obtê-lo. Nas revistas Careta e Para Todos, escrevia sob o pseudônimo de João da Avenida, uma seção de crônicas mundanas em versos humorísticos. Ficou conhecido como “o poeta das cigarras”, por causa de um de seus temas prediletos.
Magnum opus: Cantigas de encurtar caminho: poemas

Reprodução fotográfica Projeto Portinari – extraído do site https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2797/olegario-mariano
OLEGÁRIO Mariano. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2797/olegario-mariano>. Acesso em: 11 de Jan. 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7